quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Good night, mother

1676

My czechoslovakian passport

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

O livro das incompletudes

O DRAMATURGO E ATOR RAFAEL MARTINS LANÇA HOJE ÀS 20 HORAS NO TEATRO DRAGÃO DO MAR LESADOS E OUTRAS PEÇAS QUE CONGREGA MOMENTOS IMPORTANTES SEUS COM OS ATORES E O PÚBLICO. O POVO CONVERSOU COM RAFAEL, ENTRE OUTRAS COISAS, SOBRE A METAMORFOSE DO TEXTO SAÍDO DO TEATRO PARA AS PÁGINAS DO LIVRO.


ALAN SANTIAGO >>> ESPECIAL PARA O POVO


Rafael Martins faz um teatro da crise. Seu texto é o reflexo das angústias e interrogações acerca da existência e do ser - que o perseguem desde adolescente. Naquela época, ainda no colégio e já um aluno de teatro, eram os textos juvenis, a sensações jogadas no papel e nada além disso. Mas se tratava do princípio daquilo que viria se tornar, com lapidação e tempo, um dos textos mais renomados da nova geração de dramaturgos da cidade. E alguns de seus personagens, diálogos e situações estão congelados em Lesados e outras peças à espera de alguém que palmilhe suas páginas. O livro chega às mãos do público-leitor logo mais, às 20 horas, no Teatro do Dragão do Mar. Na ocasião do lançamento, o grupo Bagaceira, do qual Rafael faz parte, apresenta a peça que dá título ao livro.


O rapaz, de 28 anos, recebeu a equipe do O POVO em seu quarto, um ambiente duplo: de repouso, mas também de trabalho. É lá onde ele gasta algumas horas do dia quando está escrevendo. Ele se desculpa pela reforma da casa. Os livros na estante ainda estão amontoados como se estivessem deitados, descansando. Enquanto as pilhas misturam autores, entre eles Beckett e Stanislavski, uma delas é apenas de Clarice Lispector. Por isso é que o ator e também dramaturgo Ricardo Guilherme diz que Rafael é discípulo da escritora. A densidade do texto dele deixa a comparação um tanto mais precisa.


E Ricardo Guilherme está habilitado a discorrer sobre Rafael. Além de serem amigos, os dois estão bem perto na arte. Quase montaram a peça A mão na face que acabou não estreando, mas que acompanha O livro, Lesados e Realejo no trabalho do livro. É assim, com colaboração dos atores, diretores, iluminadores e amigos de teatro que Rafael acredita que o texto saia mais vivo, mais seu, como se tivesse sido feito na sala de ensaio. Há um longo processo até ser considerado pronto. Trava-se a implacável guerra do papel, quando Rafael descobre que ainda há muito o que aprender. Enquanto isso, vai tirando da caixinha da vida as interrogações a se resolver, muitas dúvidas humanas e por isso mesmo eternas. "A vida é uma coisa eternamente incompleta", sentencia.



O POVO - Gostaria de começar a entrevista sabendo a respeito da formação do Rafael dramaturgo. Veio primeiro a formação do ator? Como foi isso?

Rafael Martins - Eu comecei a fazer teatro ainda criança na escola. Desde criança, eu invadia o espaço do teatro, brincava pelas cadeiras e já era cheio de imaginação. Eu tenho uma tia, a Nena, que eu chamo, e ela sempre me incentivou. Ela me levava pra assistir ópera, teatro, MPB refinada. Sempre cultivou esse gosto. De certa maneira deu certo que eu tenha essa abertura, esse gosto pra arte. E, em relação a esse início, eu encontrei a Nazaré Fontenele, que é professora de teatro do colégio (Christus). Ela foi a primeira pessoa que me ensinou a explicar na prática o que é disciplina, o que é ter domínio sobre o que eu estou fazendo, estudar. Ter prazer envolve também estudar. Não é um prazer vulgar. E o que ela me ensinou de mais importante é que eu tenho que suar muito pra conquistar as coisas. A Nazaré não facilitou pra mim.


OP - E como foi que você começou a escrever pra teatro?

Rafael - Vem como um reflexo das mudanças de vida. Eu estava ainda no colégio, fazia teatro. Ainda era um ato cotidiano e mecânico. E, quando você chega nesse momento de sair pro mundo, começa a se questionar: "O que eu quero? Qual minha vocação? Vou fazer o que da vida?". Essas crises existenciais que o adolescente tem foram me colocando numa crise também com o que eu estava fazendo dentro do teatro. Parecia que eu queria algo a mais e eu não sabia o que era. Não me sentia dizendo tudo. Veio o impulso de escrever. Pra mim, escrever sempre foi um ato de impulso e necessidade.


OP - Você escrevia outras coisas como conto, poesia?

Rafael - Não. Eu escrevia rascunhos de nada no meu caderno. Algum texto que não é teatro, nem literatura, não era nada. Pra mim era pra ninguém, não tinha direção, era pra resolver alguma coisa minha. Eu continuo escrevendo pra isso também. Mas eu penso mais tecnicamente também.


OP - Isso tudo não deixa de ser um processo de catarse.

Rafael - Pra mim é. Em alguns momentos, eu pego trechos de coisas que eu anoto no meu caderno como se fosse um diário e trabalho aquilo como uma idéia inicial ou, então, jogo na boca de um personagem. Talvez por isso o (dramaturgo e ator) Ricardo Guilherme diga que as minhas personagens parecem as vozes do autor. Eu imagino que seja isso. Porque ele já acompanhou vários processos meus. Ele sabe como é pra mim.


OP - No caso de um texto teatral, como é que você conjuga o impulso, a verve, a inspiração que toda arte tem, com a técnica necessária que é uma coisa mais fria? Como é a questão da consciência artística nesse processo?

Rafael - Tem hora pra tudo. É como uma pintura que tem a primeira mão, que é bruta, mas já diz qual a cor que aquilo vai ter. E tem a segunda mão, a terceira... em que você vai tapando os buracos e deixando belo, artístico. Assim é escrever pra mim. Da primeira vez, eu não me importo em ser grosseiro, exagerado. A primeira busca é a da sensação e da expressividade. Só depois eu vou moldando isso numa estrutura. Pra mim a estrutura é segundo. Mas é tão importante quanto. Quem trabalha com a escrita intuitiva precisa ter muito cuidado pra não achar que, pra escrever, você não precisa estudar, nem se investigar, nem ter técnica. Você precisa de tudo isso. O que eu não aceito é que a técnica sufoque o que eu tenho de melhor, que é a minha intuição. E é o que o ser humano pode ter de melhor, que é a vida dele.


OP - O texto de teatro não é literário. E é, ao mesmo tempo. Até que ponto existe um processo literário nisso e até que ponto é processo teatral? E como é que uma coisa interfere e influi na outra?

Rafael - Isso é uma coisa sempre muito difícil quando se fala de teatro. Porque se chama literatura dramática. Eu não escrevo teatro para virar livro. Não penso dessa maneira. O meu modo - e se deve principalmente, como você disse, à minha experiência inicial de ser ator - é justamente do teatro que acontece. O texto é um dos elementos do teatro. Ele não está ali pra ser sozinho, solto, só as palavras, porque vira outra coisa. E a coisa que me interessa mais é quando ele é somado à criatividade, à inventividade e aos pensamentos individuais de cada um: do diretor, dos atores, dos técnicos - que pensam tecnicamente a cena e ao mesmo tempo são artistas porque estão acrescentando significado. Eu acho que o meu texto é mais meu quando está no palco. Quando eu pego diretores como Aldo Marcozi, Yuri Yamamoto, Jadeilson Feitosa, eles pegam meu texto e acrescentam informações que eu poderia dizer que estavam se distanciando de mim, mas a impressão que eu tenho é que eles estão chegando cada vez mais perto do que eu tenho pra dizer.


OP - Então, por que tirar do teatro e colocar em livro?

Rafael - Porque, além desse processo de estar próximo aos atores, ele pode ser repensado, remontado, ser acrescentado por outras pessoas que têm outras visões. Fazer livro não é o que me move a escrever. Agora registrar a experiência teatral em livro. Isso é fundamental. Aqui (aponta para o livro em cima da cama) está o registro de uma construção que não é só minha, mas de todos os atores que montaram, de todas as pessoas de teatro que intervieram. De todas as madrugadas que eu passei acordado, mas também de todas as noites que a gente passou ensaiando lá no palco do teatro ou numa salinha qualquer, pensando em estrear. As ansiedades, aquilo que não ficava bom na boca do ator - e eu achava que era uma falha do meu texto e tirei - ou então o ator resolveu acrescentar e eu vi que funcionava: está tudo aqui no livro. Esse texto tem vida, porque é um reflexo de todas essas experiências.


OP - Mais do que um ponto de partida, o livro é, então, um acúmulo de experiências...

Rafael - É, de conversas, de brigas, de desistências, de insistências, de sonhos que dão certo e outros que não dão. A Mão na Face é o único texto que ainda não estreou...


OP - Então, está limpo dessas experiências?

Rafael - Não, é o contrário, não está limpo disso, porque foi um processo extremamente longo e difícil que a gente teve: eu, Ricardo Guilherme, Lua Ramos, Ricardo Tabosa. Ia ser montado. Foi feito pra ir pra cena. Aí a Lua teve que sair da cidade, foi morar fora. Tivemos um problema de horário, deixamos pra depois. Acabou que a montagem não aconteceu. Mas é um filho da gente. E outros atores da cidade - a Ceronha Pontes, o Silvero Pereira - quiseram muito montar esse texto. Eles se identificam porque eles atores e parece que o texto foi feito mesmo na sala de ensaio e tem a dor da gente de ser artista. Porque os dois personagens são meio artistas - ou totalmente artistas.


OP - Você se isola pra escrever?

Rafael - Sim, mas não é só isso. O artista precisa da solidão, precisa estar consigo mesmo, precisa organizar isso tudo. Mas eu prefiro ficar oscilando. Assim como o ator está ensaiando, ensaiando e depois vai pra casa, mas continua construindo, eu, como o autor, - nem sempre é possível, mas quando é possível - eu gosto de colocar a mão na massa junto com os atores, me meto na direção, a direção se mete no texto, os atores também se metem. No final, a gente vai resolvendo, deixando com a cara de todo mundo. O texto sai mais fresco, cheio de vida. Nada contra a dramaturgia de gabinete, mas eu percebo que o teatro tem caminhado por esse rumo do autor presente.


OP - Por que você selecionou justamente essas peças pra entrar no livro?

Rafael - Eu acho que os Lesados foi um momento meu com o grupo Bagaceira, porque lançou o grupo pra outros lugares do País e fez a gente ser visto. É um dos motivos. Elas retratam também momentos meus importantes com os elencos. Claro que poderia colocar outras que ficaram em cartaz como Caio & Léo, En Passant, mas eu tenho projetos pra essas peças. Caio & Léo, por exemplo, é um texto que eu vou remontar e ainda não foi finalizado. Por isso, não consigo parar e colocar num livro. Não significa também que eu não possa mais modificar. Pode ser que um dia eu decida aprofundar o Realejo, mas, no momento em que eu pensei em fazer o livro, as outras coisas estavam num movimento muito areia movediça ainda. Eu acho também que todos os personagens desse livro foram lesados de alguma maneira. Eles estão feridos. Achei, então, um nome pertinente pra colocar. Pode parecer triste ou engraçado às pessoas mas existe uma ferida de incompletude neles.


OP - Você acha que é disso que fala nas suas peças, desse homem preso no labirinto contemporâneo e sempre incompleto, é desse homem que você fala?

Rafael - Eu acho que sim. Com uma única ressalva: o homem que eu penso no meu teatro está preso a coisas eternas. Não precisa ser arcaico ou contemporâneo, não existe esse tempo. Eu penso que são conflitos que nem se resolvam, como por exemplo: o que é o homem diante do tempo? O que é a gente diante da Morte? Ela coloca a gente diante de um abismo existencial. O que é que eu sou? Pra onde eu vou? Por quê? O que é Deus? Se Ele não existe, o que existe? O nada? Isso está em todas as peças, posso fazer um drama ou uma comédia.


OP - Você considera isso uma obsessão temática?

Rafael - Estou ainda pra entender se é uma obsessão temática ou se toda obra de arte já tem isso. Fico pensando se fazer arte já não é uma coisa que nos conduz a um caráter existencial. Uma coisa tenha certeza: não importa se meu texto tem uma condução política ou não. Fazer arte é um ato político, engajado por si só. Será que eu sou um alienado diante da vida? Está fazendo arte, no mundo, principalmente hoje em dia, é um ato engajadíssimo.


OP - Você me disse que consegue identificar ao longo do tempo as mudanças pelas quais foi passando e a experiência que foi ganhando tanto no trabalho quanto na vida. Eu queria que você falasse um pouco sobre isso...

Rafael - Eu aprendi que o autor não é o dono da verdade que vai pra cena. Isso é fundamental perceber. Ele não tem que mandar em como vai ser feito. A gente tem um apego às vezes. Não ter medo de voltar atrás, de cortar falas que tenham ficado bonitas, mas que talvez sejam redundantes ou inexpressivas em cena. Eu acho também que eu expressava muito a sensação e o que eu fui ganhando com o tempo foi aprender a dar um formato a essas sensações e a esses sentimentos que vêm de dentro. Principalmente a experiência de ver o texto no palco e perceber o que funciona e o que não funciona. Eu ia aprendendo a dar uma estrutura para que isso não virasse um desabafo inexpressivo. De tanto modificar determinada coisa, eu fui vendo que eu tinha que mudar. A gente vai entendendo melhor os caminhos. Eu aprendi tropeçando e continuo tropeçando até hoje. Sou extremamente verde, inseguro, imaturo. Acho que minha dramaturgia expressa isso. E talvez eu seja amador também. Agora é uma coisa que eu não abro mão de ser, dessa ansiedade, desse medo de achar que está sempre indo pro caminho errado, porque é isso que me faz ser realista e perceber as minhas falhas e aprender com elas. Quem não percebe as falhas nunca vai crescer. Cada dia a gente vai decifrando melhor o mistério que é a platéia. Cada degrau de entendimento das coisas que você sobe, você abre uma caixa com milhões de outras interrogações.


OP - Mas é sempre um prazer tentar dissolver essas interrogações...

Rafael - Ah, esse é o prazer! Eu sei que nunca a gente vai responder a todas, mas eu gosto é de não responder. Talvez por isso a minha dramaturgia esteja caminhando pro campo da incompletude, de não ser tudo. A vida é uma coisa eternamente incompleta. Por isso a gente precisa da arte, que por sua vez precisa da vida.


OP - O seu trabalho publicado em livro pode ter outras leituras comparadas ao que o texto teve no palco? Você acha que uma pessoa que pega o texto escrito vai entender de maneira diferente, vai ter outras sensações?

Rafael - Eu acho que a pessoa faz a sua fabulação na hora que está lendo. Inevitavelmente, quando ela já viu o espetáculo e vai ler o texto, vem à cabeça imagens do espetáculo e traz de volta a sensação que ela teve, os risos... Mas é legal perceber que a mente da pessoa também é um teatro. Ela está lendo aquelas falas e o teatro vai acontecendo, as situações se desenrolando. Eu me emociono muito lendo peças de teatro. É uma coisa bonita, a gente se arrepia. Às vezes tem a rubrica de que o som cresce em volume e aí a gente imagina o som crescendo. Ou então tem uma fala fortíssima e você imagina a mulher chegando e dizendo aquilo. Isso é muito bom. Porque tem a estrutura viva do teatro aqui.

terça-feira, julho 22, 2008

Um lugar sobre as brasas

Os olhos cansados e observadores do escritor mexicano Juan Rulfo, falecido em 1986, queimaram as poucas plantas e o chão árido daquele planalto esquecido e poeirento onde pululavam fomes, tragédias e guerras. Nos 15 contos do volume O Planalto em Chamas de 1953, descortinam-se diante do leitor um tropel de senhoras de xales na cabeça e terços de contas entre os dedos com a missão de canonizar um santeiro que nunca foi santo; de agricultores com enxadas nos ombros à procura de uma terra que lhes foi doada e que de lá não brota um único grão de coisa alguma; de pessoas marcadas para morrer e pedindo em desespero que não lhes matem e também de loucos sem cura que racham o crânio na parede.


RULFO Falecido em 1986, o mexicano é um dos precursores do realismo mágico latino-americano

É um relato cruel de pessoas esquecidas num México agrário e revolucionário. A Revolução Mexicana – que incendiou o país a partir de 1910 e ajudou a derrubar o ditador Porfírio Díaz – junto com a Guerra Cristera, um levante armado contra alguns artigos anti-católicos da Constituição de 1917, detonaram o mecanismo da bomba que acabaria resvalando em muitas famílias latifundiárias mexicanas, incluindo a de Rulfo. Com a família já decadente, ele acompanhou o assassinato do pai em 1923 por motivos políticos e a morte da mãe em 1927. San Gabriel, o pequeno povoado onde foi criado, era um mar de superstição e culto aos mortos.

Todas essas referências unidas produziram uma das obras mais perturbadoras do século XX: “não são mais de 300 páginas, porém são quase tantas e creio que tão perduráveis como as que conhecemos de Sófocles”, afirmou o prêmio Nobel de Literatura de 1982, o colombiano Gabriel Garcia Márquez na comemoração do cinqüentenário da publicação de O Planalto em Chamas. E completa: “O resto daquele ano [em que conheci a literatura de Rulfo] não pude ler nenhum outro autor, porque todos me pareciam menores”. Isso foi o que impulsionou e inspirou Márquez a continuar sua própria obra. Tempos depois, eles escreviam juntos o roteiro do filme El gallo de oro de 1964.


Os deserdados e excluídos de O Planalto, frutos da observação aguçada do escritor sobre seu povo, são duros como o chão em que pisam.


Rulfo tem um pé no realismo mágico e outro no realismo puro. A cidade fictícia de Comala, do livro Pedro Páramo (1955), recebe o forasteiro Juan Preciado que vem em busca do pai. A sucessão das páginas traz uma profusão de mistérios e almas penadas que enganam o leitor tanto quanto ao próprio protagonista. Os deserdados e excluídos de O Planalto, frutos da observação aguçada do escritor sobre seu povo, são duros como o chão em que pisam. As casas incendiadas e as balas que não param de uivar no céu dão a atmosfera do conto homônimo ao título do livro; enfurecido com a acusação de que teria matado Odilón Torrico, o protagonista de Encosta das Comadres mata o outro irmão Torrico, com requintes de crueldade, para provar sua inocência.

No genial Você não está ouvindo os cachorros latirem?, a longuíssima jornada de um pai com o filho doente nos ombros em busca do povoado Tonaya é uma elaboração refinadíssima de todo o ódio que ambos sentem um pelo outro. A mãe morta, assim como todos os amigos; não lhes restam nada a não ser um ao outro na busca por esse lugar, que nunca chega e que fará o filho voltar a andar. São léguas de distância, num completo deserto. O garoto nas costas do mais velho que o pergunta se, de cima de onde ele está, consegue ver alguma coisa ou pelo menos ouve os cachorros latirem – que o velho já escuta mesmo de longe. Mas o filho, a quem o pai atribui toda a responsabilidade pela morte da mãe, não responde nada, estafado, esgotado, clamando por água – mesmo quando parece que o povoado já está se aproximando. E naquelas migalhas de afeto, resta ao pai condoer-se ainda mais com a distância infinita e intransponível entre eles: “Você não ouvia, Ignacio? Você não me ajudou nem mesmo com esta esperança”.

A percepção do mundo de Rulfo surge imensa e inexaurível em seus textos. Numa das poucas entrevistas que deu em vida, ele esclarece que o clima de Pedro Páramo já se antecipava no conto Luvina de O Planalto em Chamas.

– Mas Pedro Páramo vem de antes. Já estava, quase que posso dizer, planejado mais ou menos uns dez anos antes. Eu não havia escrito uma só página, mas estava com ele dando voltas na cabeça. E houve uma coisa que me deu a chave para desenvolvê-lo, destrinchar esse fio ainda enrolado. Foi quando regressei, trinta anos depois, ao povoado em que vivera, e o encontrei desabitado. Passei a noite lá, e é um lugar onde venta muito, está aos pés da Sierra Madre. E durante a noite, casuarinas mugem, uivam. E o vento. Compreendi estão essa solidão de Comala, esse lugar. O nome não existe, não. Mas a derivação de “comal” – um recipiente de barro que se põe sobre as brasas para esquentar as tortillas – e o calor que sugere é que me deram a idéia do nome. Comala: lugar sobre as brasas.

E essas brasas queimam ainda o chão de Comala, de Zoplatán, de San Gabriel, enfim, daquele México cruel de Juan Rulfo.

MÉXICO O Planalto em Chamas é um relato de um país destruído por guerras e fome

terça-feira, novembro 27, 2007

Na inauguração da linha férrea


No discurso de inauguração da linha férrea que ligava o continente de um extremo a outro, o presidente, vestido de maquinista, só teve tempo de puxar o apito do trem e dar as últimas palavras de “adeus, mundo cruel, porque você é um desastre – e esse país também; eu quero é que se exploda”, num idioma gélido e incompreensível, para cair em seguida no chão com um sorriso nos lábios e um ataque cardíaco fulminante no peito, momentos antes do mundo de fato explodir, destruindo tudo e matando pessoas, como se estivesse todo dinamitado.

segunda-feira, maio 28, 2007

Heimweh

Wenn ich Heimweh habe, habe ich Kopfschmerzen, Erkältung, Fieber, bleibe ich im Bett durch eine lange Woche, schlendere ich durch die Stadt, aber ich kann nicht aus meinem Kopf kriegen: der Geruch vom Essen meiner Mutter, das Fotoalbum in dem Kleiderschrank wo ich habe für eine alt Zeit sehen gegangen, das fast ungehörte und traurige Lied durch alle Tagesanbrüche von dem Nachbar, das Lachen meiner Schwester, die Nacht im Sommer, die Nacht im Winter, die Nacht im Herbst, unser liebes Hause, meine Familiegeschichte, die Geschichte die mein Vater hat mir in den dunkelsten Tagen über Piraten, nördliche Kultur, den ältesten und gröβten Mann in ganz Deutschland erzhält und alles konnte ich haben war Angst, die Geburstage, die Dialoge, irgendwie weit weg, wo ich bin, wenn ich Heimweh habe, habe ich Heimweh.